Mulheres no cenário musical e a longa busca por voz na indústria coreana

Há sempre controvérsias quando o assunto é mulheres na indústria musical coreana. Dentre inúmeros atos sexistas, comentários misóginos e desmerecimento, mulheres tentam e conseguem ter destaque. Por outro lado, não podemos negar a existência de uma grande desigualdade de gênero nesse âmbito – especialmente quando se trata do movimento Hip Hop da Coreia do Sul.

O rap coreano se popularizou bastante desde a criação de reality shows e sua internacionalização, ainda assim vemos pouca notoriedade feminina e muita objeção quando o tema é mulheres no cenário. Muitos deixam de discutir a respeito pois consideram esse ponto de pouca relevância. O problema é produzido não apenas pela sociedade mas também pelas grandes empresas e figuras públicas da Coreia do Sul.

Show Me The Money x Unpretty Rapstar


O Show Me The Money lançou sua primeira temporada em 2012 e, apesar das grandes e poucas participações femininas, nenhuma conseguiu vencer as etapas importantes do programa. Isso não mudou até então, mesmo com 4 temporadas lançadas. A maioria são deixadas de lado, não são levadas a sério. Em 2015 lançaram o Unpretty Rapstar, focado em rappers femininas. Mas por que a necessidade de um reality show apenas para mulheres se o SMTM sempre teve a participação de ambos gêneros?

Além disso, há diferenças gritantes na produção destes programas. Enquanto o SMTM faz uma audição com milhares de rappers, dando oportunidade aos não tão conhecidos, o UR escolhe suas participantes que, na sua maioria, já são conhecidas pelo público. Posto que ambos programas vivem de marketing, não devemos esquecer que o SMTM é levado um pouco mais a sério e, por consequência, seu rendimento é maior, totalmente contrário ao UR.


Machismo na indústria x Voz feminina


Apesar da Coreia do Sul ser um país conservador em muitas questões, o machismo é um comportamento universal. Quando uma figura feminina decide falar o que pensa muitos consideram inusitado e pouco relevante. As rappers têm características contrárias ao ponto de vista social que define a mulher como um ser sensível e delicado. É por isso que dentro da cena coreana há um certo preconceito quando as mulheres decidem “ousar’’ em mostrar seus talentos. Muitos consideram vulgar e pouco feminino quando uma garota decide ser mais do que um rosto bonito.
Jessica H.O., popularmente conhecida como Jessi, é uma das rappers mais bem sucedidas da Coreia. A cantora é integrante do trio Lucky J e participou da primeira edição do Unpretty Rapstar. Durante o reality show, Jessi foi alvo de críticas pela “forte personalidade” e líricas agressivas, mas nada a impediu de chegar à final da competição. Ainda assim, muitos a consideram intimidante unicamente por ser uma mulher. 

Em resposta aos comentários negativos, quais Jessi encarou da melhor forma possível, a rapper voltou às promoções solo com a música “Ssenunni” que no português é uma expressão como “unni/unnie feroz/forte” (“unnie” é um pronome de tratamento utilizado por mulheres mais novas ao direcionar-se às mais velhas), apelido atribuído a ela por sua personalidade. Assim como no Unpretty Rapstar, onde Jessi comentou ter o desejo de ver as rappers coreanas unidas e ganhando mais destaque, nos programas Happy Together e After School Club ela voltou a falar sobre os impactos de sua personalidade na própria carreira e também sobre o que pensa sobre uma mulher de fortes opiniões causar reações tão divergentes. Entretanto, ela demonstrou não se importar muito se a sociedade coreana aceita ou não mulheres a fazendo sair da zona de conforto, além de se orgulhar em ser uma “Ssenunni”.

Confira "Ssenunni" de Jessi





Outra personalidade forte é a de Yoon Mirae, considerada a melhor e mais influente rapper no cenário coreano, que apesar de nunca ter levado à grande mídia seu posicionamento sobre o sexismo na Coreia, sempre manteve seu caráter um tanto quanto “Ssenunni” em sua aparência e composições. Além de ser uma das primeiras rappers femininas a ganhar tamanho respeito no cenário.

Confira "#Capture The City" de Yoon Mirae



Ano passado o rapper Dok2 fez uma declaração polêmica em um debate sobre rap coreano na Universidade do Sul da California (USC). Quando falava sobre idols no cenário, uma entrevistadora perguntou o que este achava sobre as rappers mulheres. O CEO da Illionaire Records disse que ‘’não acredita que elas escrevam suas próprias letras”. Muitos alegam que ele estava se referindo às idols rappers femininas e não à rappers mulheres no geral, mas não deixa de entrar em discussão. Provavelmente não foi a primeira e nem a última vez em que um rapper declarou-se indiferente em relação aos trabalhos feitos por mulheres. Para a maioria deles, garotas não conseguem compor no mesmo nível. Elas são extremamente subestimadas dentro e fora da indústria.
Por outro lado, a subestimação não parece afetar algumas rappers que se determinam a mostrar seu potencial sem medo. Dentro de um mundo que inferioriza a voz das mulheres, rappers como Choi Sam demonstram que a arte e o sentimento não têm gênero. Suas líricas falam de situações cotidianas, problemas pessoais e até mesmo sobre essa questão da invisibilidade feminina. Ano passado a rapper fez uma colaboração com Mc Meta na música titulada “Show Me The Hip Hop’’ uma diss aos reality shows SMTM e UR por apresentarem uma ideia errada sobre o Hip Hop.

Confira "Gazes" de Choi Sam




Cheetah também se destaca pela sua composição. Vencedora da primeira temporada do UR, a rapper teve muitas dificuldades para alcançar a fama, começando por um acidente que sofreu no ano 2007 que a deixou em coma por um tempo e impossibilitada de cantar pelo uso de aparelhos respiratórios. Cheetah declarou ao público que superar essa experiência traumática a ajudou a traçar o caminho do sucesso.

Confira "Coma 07" de Cheetah



Mulheres no K-Pop

O Pop coreano também apresenta características sexistas tão problemáticas quanto as do cenário Hip Hop. É do conhecimento de boa parte dos ouvintes de música coreana o modo extremamente padronizado e exaustivo no qual a indústria se estrutura, com conceitos modelo de imagem, comportamento e caráter que podem desumanizar e deslegitimar as características naturais de seus artistas. Essa realidade é, obviamente, de não exclusividade feminina, mas pela misoginia gritante que constitui a sociedade coreana, as mulheres passam a estar sob mais pressão e violência.
Para entrar nessa parte, é inevitável mencionar um documentário exibido pela BBC em 2012, do grupo feminino de K-pop Nine Muses. O documentário mostra a jornada do grupo pré e pós estreia e as condições quais 9M e muitos outros grupos femininos são submetidos em busca de realizar o sonho de uma carreira musical: desrespeito, pressão, violência física, comentários extremamente maldosos sobre aparência e desenvolvimento, dietas rigorosas procurando alcançar o padrão de beleza coreano, entre outros meios de se tirar a dignidade de alguém.
Além do processo de criação dos grupos, outros elementos também chamam atenção por ter um viés desrespeitoso com artistas femininas. Embora machista, a afirmação de Dok2, já mencionada nessa publicação, reflete a realidade por trás da produção de músicas na coreia. É incomum ver mulheres escrevendo suas próprias letras, sejam elas rappers ou não. Parte disso, não tem qualquer relação com falta de habilidade: é simplesmente que a artista coreana deverá buscar agradar ao homem.  Boa parte das letras de grupos de garotas fala sobre amor, dedicação aos homens ou sobre ter boa aparência, pasmem, para agradar homens. Isso vai do conceito aegyo ao sexy, tendo raras exceções que se arriscam no meio duma indústria sexista, sendo muito valorizadas pela originalidade ou simplesmente atropeladas pela misoginia que fica no caminho e muitas vezes impede o sucesso.  Soma-se a isso, o fato de que boa parte do público que assiste o K-Pop é feminino e que ironicamente, as famosas fangirls tendem a acompanhar grupos masculinos. A estrada do sucesso para grupos de garotas é definitivamente mais difícil que para grupos masculinos.
Além disso, o K-Pop tende, sobretudo recentemente, a sexualizar as artistas em demasia. Essa sexualização involuntária é pauta de debate há anos, assim como também já resultou em respostas dos próprios artistas, incomodados com o resultado dum trabalho que não é reflexo de suas personalidades ou vontades. Exemplo, a ex-líder do grupo T-ARA, Hyomin, estará lançando seu comeback solo em breve com um conceito sexy que não lhe é de agrado e que teve as fotos de promoção editadas (com uma falsa nudez!) sem sua permissão. Outras artistas já se mostraram incomodadas com a sexualização alguma vez, entre elas Hyuna, as integrantes do grupo Stellar e Six Bomb.
O problema não está em escolher o conceito sexy ou o oposto, está na realidade que não permite as artistas femininas terem o livre arbítrio de decidirem como se expressar através da própria arte. No final, a realidade dos dois gêneros não difere em muita coisa. Uma mesma indústria sob uma mesma ideologia, que atinge mulheres igualmente não importando o ramo escolhido pelas mesmas.

Vamos aproveitar o 8 de março para refletir e para trabalhar numa reflexão diária. Parabéns a todas as mulheres!

Mais de artistas coreanas:

KittiB - Must Be Nice


JACE - Hashtag


Kisum - Feedback (part. Lil Cham, JACE, Bora, Adoonga)




 Yezi - Cider


Brown Eyed Girls - Sixth Sense


2 comentários:

Unknown disse...

Muito obrigada por esse texto. Sério.

Unknown disse...

Agradeço muito a vocês por criarem um post e um blog assim, é difícil achar músicas de artistas que não fazem parte de k-pop, eu já conhecia alguns rappers masculinos mas as femininas não tinha menor noção, tinha visto a apresentação da Cheetah no UR apenas e achei ela incrível enfim obrigado por fazerem um post que conta sobre a trajetória feminina no rap coreano e apresentar algumas delas.

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